quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016


Caldo de cultura deletério  

Péricles Capanema

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José de Souza Martins
Dia desses, numa banca de jornal, ouvi de velhote espevitado: ▬ Quem é o maior responsável moral pela roubalheira no governo? Arriscou uma moça baixinha: ▬ O big? Os políticos do PT e também os mandachuvas dos outros partidos com eles. ▬ A dona da banca, altona, meio enfezada: ▬ Só bandalheira? Tem a carestia, desemprego. ▬ Ficou por aí a conversa. Pesadão, pensei com meus botões: ▬ Tem ainda o projeto totalitário, a agenda libertária, a busca obsessiva da hegemonia.

Responsabilidade moral, não a imediata, foi a pergunta. Ontem, por acaso, passei os olhos em subsídios preciosos para uma boa resposta. Vieram de José de Souza Martins [foto à esquerda], celebrado sociólogo, aposentado da USP, 45 livros publicados. Foi ainda professor em cursos promovidos pela CNBB. Na década de 80, discípulos seus participaram da fundação do PT e, quatro anos depois, do MST. Do ramo, se vê.
Com a segurança do grande estudioso, garante ele (Veja, edição 2.463, páginas amarelas):
“O Partido dos Trabalhadores surgiu no ABC paulista. Tratava-se, do ponto de vista formal, de um partido católico. O PT foi gestado desde os anos 50 pelo primeiro bispo de Santo André, dom Jorge Marques de Oliveira. Dom Jorge me disse que os trabalhadores do ABC ficavam no Centro Operário Católico jogando pingue-pongue. Ele os incentivava a ir para a porta da fábrica. Dom Jorge inventou Lula, antes que Lula soubesse disso, ao criar as bases para o surgimento do PT”.
O professor Souza Martins simplifica. Propriamente, o PT é filho da esquerda católica, nunca medraria nos campos do catolicismo conservador ou tradicional. O que houve (e há) foi condescendência, complacência, às vezes cumplicidade, do catolicismo mainstream em relação à esquerda católica.
dom Jorge Marques de Oliveira
Volto aos trilhos. Dom Jorge (1915-1989) [foto ao lado], dos expoentes dessa orientação, está entre os oito signatários brasileiros, junto com dom Hélder e dom José Maria Pires, do Pacto das Catacumbas, de cujas doutrinas nasceu a Teologia da Libertação. Com efeito, o antigo antístite de Santo André foi assistente eclesiástico da JUC, de onde, prestigiado, saltou em 1946, aos 31 anos, para o episcopado, na ocasião o bispo mais novo do mundo. Foi sempre presença destacada nos círculos da Ação Católica a partir dos anos 40 até ser substituído em 1975 na direção da diocese de Santo André [responsável pelo Grande ABC] por dom Cláudio Hummes quem, aliás, caminhou na trilha aberta por dom Jorge.

Dois pontos importantes nas observações de Souza Martins. Primeiro, dom Jorge ▬ e, digo eu, como ele, outros bispos ▬ fez com que numerosos operários católicos, antes apáticos, se tornassem ativistas, passassem a bafejar a esquerda sindical e depois nela militassem. Segundo, sem descer até tal detalhe, está no bojo das palavras de Souza Martins, o PT germinou no caldo de cultura da Ação Católica. Dom Jorge em Santo André, à vera, cultivou tais germes com maior aplicação que outros bispos de orientação parecida. E por isso ali no ABC, como em casa própria, firmaram-se lideranças de esquerda, em particular Lula.
Convém destacar aqui, para melhor entender as observações de Souza Martins, na Ação Católica eram particularmente virulentos os germes do progressismo. Na sociedade e na política, alguns de seus seguidores se radicalizaram mais, outros ficaram pelo caminho, estacionando em diferentes graus de esquerdismo. O PDC, com faixas condicionadas por hábitos conservadores, se nutriu naquelas águas. Já a Ação Popular, de mesma raiz (saiu da JUC) foi além e, na lógica dos demolidores princípios esposados, desembocou, já marxista, na guerrilha comunista.
Agora, a resposta à pergunta do velhote. A grande responsabilidade moral pela degradação generalizada causada pelos desgovernos petistas repousa nos ombros dos dirigentes da Ação Católica que, com seus vários ramos, desde a década de 30, produziu no Brasil gigantesca mudança de convicções e mentalidades, em graus diferentes favorecedoras da esquerda. É claro, o PT teve ainda o setor intelectual e o setor sindical de raízes laicas. Mas teriam importância reduzida, inexistisse o caldo de cultura produzido pela Ação Católica.
Em defesa da Ação Católica
Em 1943, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira, então presidente da Ação Católica em São Paulo, publicou com grande repercussão o livro “Em defesa da Ação Católica” [foto], denúncia contra o progressismo e o modernismo, então em disfarçada e rápida expansão nos ambientes católicos. Sem essa vacina (e a ação subsequente de Plinio Corrêa de Oliveira na mesma direção) a situação nacional hoje seria bem pior. Com efeito, a esquerda católica ocupou espaços, conquistou posições importantes, como apontei aqui, criou o caldo de cultura no qual nasceu o PT, mas teve seu passo prejudicado pelo olhar desconfiado de muita gente que, esclarecida pelas posições do livro, com lucidez ali não via luta por justiça, mas ação favorecedora do socialismo, sempre flagelo dos pobres a quem enganadoramente proclama defender.


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