segunda-feira, 18 de maio de 2015

Fidel Castro: "Nós faremos apóstatas"... FRANCISCO, O NÚNCIO E O TIRANO


FRANCISCO, O NÚNCIO E O TIRANO

Armando Valladares(*)

Em um dos mais significativos lances simbólicos da “ostpolitik” vaticana em favor do comunismo cubano, o pontífice Francisco recebeu o tirano Raúl Castro e, em meio a sorrisos e amabilidades mútuas, estreitou largamente suas mãos ensanguentadas, chegando a pedir ao líder comunista que rezasse por ele. É uma cena arrepiante e estarrecedora, diante de Deus e da História, marcará de maneira indelével o atual pontificado.

“Como já lhes disse aos dirigentes cubanos, eu leio todos os discursos do Papa e sobretudo os comentários que ele faz. E se o Papa segue falando assim, começarei a rezar e retornarei à Igreja. E não o digo em brincadeira (Página 12, Buenos Aires, 11/05/2015). Foram estas as frases pronunciadas pelo ditador que mais chamaram a atenção. Para não deixar dúvidas sobre a continuidade de seu real pensamento, o tirano reafirmou sua condição de“comunista, do Partido Comunista de Cuba” (Rádio Havana, Cuba, 10/05/2015). Cinicamente, recordou que os católicos cubanos podem pertencer ao Partido Comunista de Cuba, como se na realidade não fossem posições doutrinárias contraditórias e excludentes. E deixou escapar que havia conversado há pouco tempo com o tristemente celebre Frei Betto, um dos líderes da Teologia da Libertação, amigo pessoal de Fidel Castro e autor do livro “Fidel e a Religião”" (Vatican Insider, Roma, 10/05/2015).
A alusão a Frei Betto, feita talvez inadvertidamente por Raúl Castro, é importante para conhecer o pano de fundo das declarações, em Roma, do atual tirano. Frei Betto explicou a Fidel Castro, segundo narra o mencionado livro-entrevista, que a melhor tática com os católicos não era persegui-los e fazê-los mártires, mas integrá-los à revolução comunista em torno a metas supostamente comuns a católicos e a comunistas. Fidel já o intuía. Em discurso na Universidade de Havana, já havia traçado essa maquiavélica retificação: “Não cairemos no erro histórico de semear o caminho com mártires cristãos, pois bem sabemos que foi precisamente o martírio que deu força à Igreja. Nós faremos apóstatas, milhares de apóstatas” ( cf. Juan Clark, “Cuba: mito e realidade”, Edições Saeta, Miami-Caracas, 1ª. ed. 1990, páginas 358 e 658).
Para por em prática essa retificação estratégica, com a finalidade de fazer apóstatas, se chegou a reformar a própria Constituição comunista para permitir o acesso dos católicos ao Partido Comunista, através do enganoso artigo 54, que assegura o “direito” de “professar” e “praticar” “qualquer crença religiosa” contanto que se faça “dentro do respeito à lei” … comunista. Dessa maneira, a Constituição abria as portas do partido aos católicos revolucionários, que em Cuba chegaram a elaborar uma “teologia da colaboração”. O sacerdote René David, professor de Teologia no Seminário de Havana, no documento “Por uma teologia e uma pastoral da reconciliação em Cuba” fez um chamado à uma“reconciliação entre catolicismo e comunismo” esclarecendo que este último “deve ser considerado como uma ideologia na qual o ateísmo de modo algum é substancial, mas constitui um acidente”(Revista “Chrétiens de l’Est, Nº. 51, 3º Tr. 1986, supl. nº.11, pag. 33).
É na perspectiva desse longo processo de convergência comuno-católica que se entende que um líder comunista como Raúl Castro, sem deixar de ser comunista e perseguidor de cristãos autênticos, possa, ao mesmo tempo, chegar a “professar” uma “crença religiosa” que coincida com as metas do comunismo ou, pelo menos, que não se oponha a essa ideologia que é, em seu modo, uma religião satânica, de ódio a Deus e a seus mandamentos.
Então, a condição que está presente nas frases de Raúl Castro acima citadas, para que se concretize sua alegada “conversão” (“… se o Papa segue falando assim…”), suscita o maior estremecimento. Implicitamente, Castro diz que afirmações de Francisco, que ele se encarrega de ler e de comentar com seus sequazes, estariam indo ao encontro dos objetivos comunistas ou, pelo menos, não entrariam em contradição com eles. Castro estaria eventualmente disposto a retornar à “Igreja” que se apresente diante de seus olhos, e segundo seu modo de ver, como diametralmente contrária à doutrina da Igreja que chegou a declarar que o comunismo é “satânico” e “intrinsecamente perverso” (Pio XI, encíclica Divini Redemptoris).
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Sobre a real situação de pressão e miséria em Cuba, recordo, aqui, valentes declarações “politicamente incorretas”, do então núncio em Havana, monsenhor Bruno Musarò, pronunciadas no ano passado em sua região natal, e depois das quais, por coincidência ou não, foi retirado da nunciatura em Cuba e nomeado núncio no Egito: “O Estado controla tudo”, e “a única esperança é fugir da ilha”, explicou Musarò, descrevendo a situação de degradação, penúria e opressão dos cubanos; e concluiu dizendo que, inexplicavelmente, “até hoje, transcorrido mais de meio século, se continua falando da Revolução e a ela se exalta, enquanto as pessoas não têm trabalho e não sabem como fazer para dar de comer a seus próprios filhos” (Lecce News, 28/08/2014).

Todos estes arrepiantes e estarrecedores fatos levantam as mais graves perguntas, não somente sobre o ditador Castro e seus sequazes, senão sobre as intenções de fundo da “ostpolitik” da diplomacia vaticana com relação ao comunismo cubano, seus objetivos e metas. Que se pretende? Até onde se vai? Onde se pretende chegar? Quais são as consequências, para a fé e a integridade da doutrina católica, dessas atitudes tão distintas do ensino tradicional da Igreja sobre o comunismo “satânico” e “intrinsecamente perverso”?
Não é por acaso que durante a realização do lamentável Encontro Nacional Eclesial Cubano de 1986, no qual o Episcopado cubano passou do diálogo e da colaboração rumo a uma coincidência com o comunismo e suas próprias metas socioeconômicas, o então arcebispo de Santiago de Cuba, monsenhor Pedro Meurice, chegou a reconhecer: “Nos consideravam uma Igreja de mártires e agora nos dizem que somos uma Igreja de traidores “ (cf. “La voz Católica”, arquidiocese de Miami, 14 de março de 1986).
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Sobre a “ostpolitik” vaticana em relação ao regime castrista, no desterro cubano foram escritos livros descrevendo passo a passo esse lamentável processo. Dois desses livros, “Duas décadas de aproximação comuno-católica na ilha-presídio do Caribe” e “Cuba comunista depois da visita papal” se podem baixar gratuitamente em formato PDF, a partir dos links que se encontram imediatamente após este artigo. Eu mesmo tive a obrigação de consciência de escrever dezenas de artigos sobre o tema, de uma maneira ao mesmo tempo firme, mas documentada e respeitosa, exercendo um direito que todo leigo católico tem, porque a igreja não é uma prisão para as consciências de seus filhos. Também, depois deste artigo, se incluem alguns links para webistes que têm publicado boa parte de meus artigos sobre essa lamentável “ostpolitik” vaticana em relação a Cuba comunista.


O balanço do encontro de Francisco com o tirano é dramático para os cubanos que, dentro e fora da ilha, se opõem à ditadura castrista e anseiam pela liberdade de Cuba. O tirano Raúl Castro prometeu “converter-se” se continuasse vislumbrando coincidências, desde seu ponto de vista revolucionário, com discursos e comentários do pontífice Francisco. Enquanto isso, no sentido diametralmente contrário, recordo com emoção que o motivo de conversão de centenas de presos políticos cubanos, entre os quais me incluo, foi ouvir na sinistra prisão de La Cabaña, no início da revolução comunista, as heroicas exclamações dos jovens católicos que no “paredón” morriam gritando “Viva Cristo Rey! Abaixo o comunismo!”. Isso aconteceu até que os comunistas, percebendo que o sangue dos mártires eram semente de novos cristãos, começaram a amordaçar os jovens que eram conduzidos ao “paredón”. É o que narro em meu livro de memórias de 22 anos de cárcere. Não foi em vão que o intitulei “Contra toda esperança”, recordando a frase cheia de fé de Abrahão, citada por São Paulo, e que não poderia ser mais atual para os cubanos amantes da liberdade: “Abrahão, havendo esperado contra toda esperança [...] não desfaleceu na Fé” (Epístola aos Romanos, 4-18 e 19).
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(*) Armando Valladares, escritor, pintor e poeta, passou 22 anos nos cárceres políticos de Cuba. É autor do best-seller “Contra toda esperança”, no qual narra o horror das prisões castristas. Foi embaixador dos Estados Unidos ante a Comissão de Direitos Humanos da ONU sob as administrações Reagan e Bush. Recebeu a Medalha Presidencial do Cidadão e o Superior Award do Departamento de Estado. Escreveu inúmeros artigos sobre a colaboração eclesiástica com o comunismo cubano e sobre a “ostpolitik” vaticana em relação a Cuba.

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