domingo, 20 de julho de 2014

Agricultura: Orgulho e preconceito



*Kátia Abreu
 
Não, não vou comentar o belo livro de Jane Austen, autora, a propósito, citada com recorrência em recentes obras de economia de muito sucesso. Mas não encontrei palavras melhores para traduzir os sentimentos antagônicos que parte da sociedade brasileira nutre pela produção agrícola e o vasto mundo econômico que dela decorre.


A cada dia, mais pessoas, inclusive importantes líderes do mundo político e da esfera intelectual, vêm abrindo os olhos para o significado do chamado agronegócio, ou seja as cadeias produtivas que integram a produção das fazendas, sua logística, seu processamento industrial, a produção de máquinas, equipamentos, fertilizantes e agroquímicos, e sua distribuição para os mercados domésticos e para mais de uma centena de países.

A maioria dos brasileiros sente um orgulho pelas transformações que ocorreram em nosso campo.

Há menos de 40 anos, o Brasil vivia ameaçado pela insuficiência na oferta de alimentos, e a grande maioria da população sacrificava grande parte de sua renda apenas para alimentar sua família.

No período de pouco mais de uma geração, nos transformamos num grande produtor mundial da maioria dos nossos alimentos e ainda produzimos fibras e etanol que abastecem todo o mercado, a preços baixos, e ainda garantem substancial fluxo de divisas, por meio de nossas exportações.

Essa façanha é realmente impressionante porque, até meados nos anos 70 do século passado, nossa agricultura e pecuária eram marcadamente atrasadas e constituíam obstáculo ao crescimento econômico e à melhoria da condição social da maioria da população.

O que ocorreu não foi uma evolução, mas uma verdadeira invenção. Criamos aqui uma agricultura tropical, adaptada ao nosso clima e aos nossos solos, com nossos próprios meios tecnológicos, enquanto no passado procurávamos inutilmente adaptar em nosso território a agricultura dos países da faixa temperada.
A agricultura brasileira é obra de brasileiros, de cérebros e mãos brasileiros e, não fora ela, nosso país estaria vivendo hoje uma situação verdadeiramente crítica.

Mas nem todos veem a mesma realidade. Aí, entra o outro sentimento: o preconceito. O Brasil e o mundo mudaram, muitas crenças não resistiram ao teste do tempo e da história, mas há gente que continua cultivando ideias que não fazem mais sentido.

Para elas, o agricultor é o representante do atraso, do imobilismo e de estruturas sociais injustas.

A agricultura não pode ser uma função econômica, como a indústria, o comércio ou as finanças.

Por isso, não pode se modernizar, usar equipamentos, fertilizantes, sementes geneticamente modificadas, nada disso. Deve voltar a ser o que era há cem anos: um refúgio de camponeses empobrecidos e sem esperança, vivendo um idílio com a natureza.

Por mais que o mundo reconheça o caráter sustentável do agronegócio brasileiro, há quem nos calunie pelo mundo afora, querendo prejudicar nossa imagem e nosso conceito nos mercados.

A verdade acaba prevalecendo, mas gastamos muito dinheiro e muito esforço nos protegendo de nossos próprios compatriotas.

E os pessimistas por vocação, ou por interesse, lamentam que nosso comércio externo seja dominado pela exportação de commodities, como se essa fosse uma má palavra.

Nossas commodities, no entanto, incorporam muita tecnologia e compõem um ambiente econômico que é multissetorial, pois o agronegócio, além de agrícola, é também indústria, é comercio, é logística, e é também social, formando extensas cadeias produtivas enraizadas em nosso território e empregando brasileiros em todas as regiões.

Sou otimista, no sentimento e na razão. Tenho muita fé em que, num tempo não muito distante, o orgulho vai abater o preconceito.

O que tudo isso demonstra, para quem olha a realidade sem as lentes míopes da ideologia, é que somos bem melhores do que nós mesmos imaginamos e já passa da hora de termos consciência mais justa de nós mesmos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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