terça-feira, 8 de abril de 2014

Pobre Brasil! a conflagração indígena



Questão indígena: conflitos em 285 municípios
No Brasil, as disputas por territórios entre produtores rurais e indígenas crescem juntamente com a ampliação de áreas e aumento do número de reservas étnicas.
De 1988 até hoje, as terras indígenas passaram de 16 milhões de hectares para 111 milhões de hectares, o que representa 13% do território nacional e um crescimento de 593%.
Já os conflitos em propriedades invadidas chegam a 285 municípios em todo o país, segundo estima a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
Os problemas se concentram no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul e na Bahia, e estão presentes em pelo menos 13 estados.
A polêmica, contudo, gira em torno do processo de demarcação, hoje a cargo exclusivo da Funai. O modelo atual gera suspeitas por parte do setor produtivo, inclusive de atuação política e ideológica a favor dos indígenas.
Para o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e membro do Grupo de Trabalho Indígena do mesmo estado, Rodinei Candeia, os processos obscuros das demarcações em áreas com fazendas são parte de uma estratégia política para ampliar as reservas a qualquer custo.
A Funai, o MPF e as ONGs envolvidas têm um perfil ideológico definido e querem impor suas concepções ao país”, indica o procurador. Deste modo, acrescenta Candeia, “fica claro o desvio de finalidade e a manipulação grosseira dos laudos para caracterizar as áreas como indígenas”.
Veja no mapa abaixo a concentração de conflitos fundiários advindos das demarcações de terras indígenas:
As atuações mais recentes do procurador gaúcho foram nas demarcações das áreas indígenas Sananduva e Mato Preto. Nesta última, a atuação da antropóloga responsável chamou a atenção pelos acontecimentos que antecederam a ocupação da aldeia.
“A narrativa de que a antropóloga participou de sessões com uso do chá do Santo Daime, tão surpreendente quanto absurda, foi feita por ela mesma em sua tese de doutorado, disponível no site da Universidade Federal de Santa Catarina. O importante é que a tese descreve de fato como foi decidida a invasão de uma área em Mato Preto para reivindicação como indígena, diferentemente do que consta no laudo realizado pela mesma antropóloga, que fora nomeada como chefe do Grupo de Trabalho da Funai”, detalha Rodinei Candeia.
Candeia faz parte da grade de palestrantes do CONFINAR 2014, simpósio que trata da intensificação das atividades agropecuárias e que é realizado anualmente em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, estado que contabiliza atualmente 80 fazendas invadidas por indígenas. No evento, o procurador apresentará o tema “Aspectos políticos e jurídicos das demarcações de terras”, que encerrará a programação do evento.
Na palestra, Candeia adianta que irá mostrar de onde vem a orientação política para as ações envolvendo indígenas e quilombolas, além dos aspectos técnico-jurídicos que incidem sobre a matéria e as soluções possíveis para o problema.
“A principal mensagem será de que ele (o produtor rural) deve ter compreensão ampla do problema e se qualificar para o enfrentamento, considerando que o Estado de Direito deve lhe proteger”, revela o procurador.
Fica claro o desvio de finalidade e a manipulação grosseira dos laudos para caracterizar as áreas como indígenas”, aponta procurador do RS, Rodinei Candeia, que será palestrante do CONFINAR 2014. Foto: reprodução / URI.
Demarcação da reserva indígena em Mato Preto
A tese de doutorado à qual se referiu o procurador do RS é da antropóloga Flávia Cristina de Mello, intitulada “Aetchá Nhanderukuery Karai Retarã: Entre deuses e animais: Xamanismo, Parentesco e Transformação entre os Chiripá e Mbyá Guarani”. O relato foi publicado em junho de 2006 e está disponível pelo linkhttps://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/88608/235594.pdf, no site da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 
A antropóloga relata na tese que, durante sua passagem pela aldeia Cacique Doble, no Rio Grande do Sul, presenciou um ritual tradicional denominado opyredjaikeawã e que, daquela vez, o responsável por conduzir o ritual havia ministrado uma medicina especial, que se tratava de uma infusão feita a partir de cinco ervas, entre elas a Aguasca, base da bebida ayahuasca, também conhecida como daime.
O chá de Aguasca, embora seja sabido que altere a consciência de quem o consome, não é mais classificado como uma droga alucinógena pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) desde 2004, sendo atualmente conhecido como enteógeno, ou seja, utilizado apenas em celebrações religiosas específicas.
Em outro ponto da tese, a antropóloga diz que semanas após presenciar o consumo da infusão houve outro ritual tradicional, feito em decorrência da morte de um indígena na aldeia. Nesta ocasião, um xamã conhecido como Eduardo Karai Guaçú Martins disse, segundo a antropóloga, que “ouvia e via em seus sonhos que era hora de partir de Cacique Doble”.
Assim procedeu-se o que o procurador Rodinei Candeia classifica como a invasão de uma área em Mato Preto. “A viagem propriamente dita foi rápida. Um mutirão entre parentes e aliados foi montado para se obter as condições logísticas de tal deslocamento. O cacique da aldeia, Joel Pereira e seu cunhado, Siberiano Moreira, conseguiram apoio do CIMI e AER FUNAI para o deslocamento de Cacique Doble até Mato Preto, a cerca de 180 quilômetros de distância, na divisa entre os municípios de Getúlio Vargas e Erebango”, registra a tese de Flávia Cristina Mello.
Depois da ocupação, uma ação pública movida pelo Ministério Público Federal pedia que o Estado pagasse a conta para que a área pudesse ser de uso da Funai.
“Fiz a defesa do Estado e, quando soube desses fatos, denunciei no processo e para a imprensa. O Estado foi condenado em primeiro grau, mas obtivemos a suspensão da ação no TRF da 4ª Região e, em dezembro, nossa apelação foi provida, excluindo-se o processo da lide”, contextualiza Rodinei Candeia.
Atualmente, o processo continua suspenso e está em grau de recurso.

Foto em destaque: Divulgação / Famasul

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