segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Katia Abreu na CNA

‘Agronegócio é uma
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questão de Estado’

Em seis anos de governo Lula, 15.258 autos de infração foram lavrados por fiscais do Ministério do Trabalho em 1.217 fazendas em todo o País, média de quase 13 autos de infração por fazenda.
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Isso vai acabar, promete a senadora Katia Abreu (DEM-TO), que depois de amanhã será eleita presidente da poderosa Confederação Nacional da Agricultura (CNA), entidade-mor do campo brasileiro. Katia, primeira mulher a presidir a CNA, leva na bolsa um projeto para mudar a cabeça do fazendeiro brasileiro.

Katia pretende conscientizar os fazendeiros para não descumprirem as legislações trabalhista e ambiental, fechando o atalho que, acredita a senadora, foi responsável pelo desgaste da imagem dos empresários rurais.
Vai promover cursos para ensinar pequenos e médios produtores rurais a lidar com computadores e internet. Pretende, com isso, melhorar a imagem que a sociedade tem dos grandes produtores rurais.

Segundo ela, a crise ainda não afetou a agricultura, mas na próxima safra o crédito rural oficial será insuficiente, pois os recursos das tradings "sumiram". Quer abrir diálogo com o governo Lula e um dos temas iniciais será a adaptação da legislação trabalhista para o campo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A agropecuária é um setor eminentemente masculino. A senhora vai comandá-lo com mão de ferro ou com doçura?

Depende. Já tenho experiência anterior em sindicatos rurais, federação e na própria CNA. Tem ocasiões que pedem doçura e ocasiões que cobram a mão mais forte. Não existe um comportamento padrão.

A agropecuária é um dos pilares da pauta de exportações do País. Por que a imagem que a sociedade e a mídia fazem dos fazendeiros não é das melhores?

É uma coisa cultural que vem desde os barões do café, quando o setor rural mostrava uma fotografia diferente, de coronéis, pessoas retrógradas, sem instrução, sem tecnologia, sem informação, sem gerência, que tocavam a coisa na brutalidade. Pessoas que não cuidavam de seus trabalhadores, que não respeitavam o meio ambiente. Esse é o retrato de um passado remoto. A realidade não é mais essa. Na maioria das vezes, a imprensa foca o setor em cima do endividamento rural, mas o que me preocupa são as causas do endividamento. Elas são a falta de estradas, de ferrovias, de hidrovias, de portos modernos, de transgenia, de genéricos que não se desenvolvem no País. Se esses problemas fossem resolvidos, quando aparecesse uma crise, como agora, a gente teria mais força para vencê-la.

A sociedade tem boa compreensão da atividade rural?

Não. A sociedade não sabe que a nossa indústria é a céu aberto, é diferenciada, de risco altíssimo. A indústria formal pode parar de fabricar mil carros por dia, dar férias coletivas. O campo não admite isso. Eu não posso, por exemplo, ficar um mês sem plantar, simplesmente porque dependo da mãe natureza. Às vezes, tenho de produzir tendo prejuízo.

O nível de transgressão da legislação trabalhista é maior no campo que nos meios urbanos?

O que acontece é que a legislação trabalhista no meio rural é impraticável, pois foi feita para o Brasil urbano e, ao longo de muitos anos, nunca foi cobrada no campo. De repente, todo mundo se lembrou de que deveria ser cumprida também no campo, sem ser adaptada ao meio rural. Temos condições superadversas. Há dois campos: um é moderno, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná; temos o campo emergente, no Centro-Oeste; e temos a nova fronteira, que está iniciando tudo. Lá, a dificuldade de adaptação é muito maior. Não existe, então, isso de cumprir mais ou menos. O que falta é adaptar a legislação para as especificidades do campo.

O fazendeiro tem, de fato, grande culpa pelo desmatamento, em especial na Amazônia?

Existe uma legislação ambiental que deve ser cumprida, mas também existem imposições da lei que não podem ser cumpridas. Como exigir de um produtor rural que está dentro dos 500 metros de margem do rio Araguaia e não sabe que está dentro de uma reserva permanente e intocável, onde não se pode produzir nada? O governo federal assentou inúmeros pequenos produtores do Bico do Papagaio, o contorno do meu Estado, no encontro dos rios Araguaia com o Tocantins, em áreas ilegais. Como exigir dessas pessoas, que estão ali para tentar sobreviver, que não podem plantar mais nada? Como explicar a um produtor que se leva de oito a 18 meses para tirar o licenciamento ambiental de uma área em que lhe é permitido plantar? A mãe natureza não espera... Como exigir que os fazendeiros de São Paulo recomponham suas reservas legais num lugar onde isso nunca se fez valer? A lei diz que, se desmatei, posso comprar uma outra área para compensar, na mesma microbacia hidrográfica. Onde achar isso em São Paulo? Essa é uma legislação que jamais será cumprida. Se a legislação for cumprida, toda a cana plantada no Nordeste, que está num declive de 45 graus, tem de ser arrancada.

O entendimento com o governo Lula será fácil?

Espero que haja condições para o diálogo. Claro que temos diferenças, mas isso não impede que um diálogo seja aberto. Temos de resolver os problemas de uma atividade que representa um terço do PIB, um terço das exportações e um terço do emprego brasileiro. Se esses três indicadores não forem suficientes para abrir uma mesa de negociações, fica complicado. Não estamos falando de qualquer setor. É uma questão de Estado, pelos indicadores que representamos. Se você pegar a balança comercial e tirar o agronegócio, fica deficitária.

A crise chegará ao campo e, particularmente, ao campo brasileiro?

Não há a menor dúvida. Já estamos observando a diminuição das vendas de fertilizantes. Nesta safra específica pode ser que os problemas não sejam tão grandes, mas, quando o fazendeiro compra menos fertilizantes, está aplicando menos tecnologia, o que significa menos produtividade, o que significa menos renda. Quem tem menos renda vai ter mais dificuldade de pagar a conta no banco. Com a alta do dólar, o dinheiro sumiu da praça. O crédito rural oficial não financia mais de um quarto da agricultura, o resto é financiado pelas tradings. Esses recursos sumiram. A próxima safra vai ter uma dificuldade muito maior. Deve faltar crédito e o crédito rural do governo não cobre a agricultura toda. Outro problema é o aumento dos custos de produção. Os preços das commodities caíram muito, mas a alta do dólar ainda não permitiu prejuízo ao setor. O nosso medo é que os preços caiam tanto que não possam ser compensados pelo aumento do dólar.

Fonte: OESP, 10/11/2008.

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